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segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Jeremy Corbyn: ponto de viragem ou falsa alvorada para a esquerda europeia?

DAVID GOW – “Um ponto de viragem para a social-democracia europeia”? Ou, como opinou o FT, “uma catástrofe para o centro-esquerda britânico? Talvez o Syriza tenha razão: “a vitória de Corbyn à liderança do Partido Trabalhista é uma excelente notícia, é um passo em direcção a uma mudança na Europa em benefício do povo” ampliando “a já ampla frente contra a austeridade”. Ou Inigo Errejon, secretário político do Podemos: “a onda de mudança chegou ao norte da Europa. Chegou a altura de construir uma União Europeia para o seu povo”. Com @jeremycorbyn, Podemos!”

A arrebatadora vitória de Jeremy Corbyn à liderança do Partido Trabalhista não irá resolver a crise da social-democracia europeia à medida que esta digladia para se reconectar com o seu eleitorado após ter adoptado, quase fatalmente, a desregulação do capitalismo financeiro na primeira década do século XXI. Por toda a União Europeia, os partidos do centro-esquerda da Segunda Internacional falharam pura e simplesmente quanto à apresentação de respostas convincentes a todas as principais questões que se colocaram após a crise de 2008: como lidar com os 1%; o aumento das desigualdades e da pobreza tanto a nível interno como global; a digitalização do trabalho; a alienação em massa e a desilusão quanto ao processo político democrático; o papel do Estado; o envelhecimento das sociedades; a alterações climáticas… sem esquecermos os flagelos habituais da guerra, do terror e das migrações em massa.

Os três adversários de Corbyn simbolizaram a exaustão da social-democracia tradicional com as suas campanhas conservadoras, anónimas, profundamente entediantes e intelectualmente falidas. Ele e os seus directores de campanha, tal como os da campanha o Sim (à independência) na Escócia o ano passado ou a campanha eleitoral do Syriza no início deste ano, trouxeram juventude, energia e crepitação, trouxe para a política dezenas de milhar de pessoas que antes eram (aparentemente) apolíticas – a autenticidade e a esperança, acima de tudo. Conseguiu (re)conectar-se com pessoas cada vez mais fartas de terem que pagar pela crise enquanto que os arquitectos desta escapam incólumes e enriquecem ainda mais, panaceias humilhantes da austeridade inevitável e a absoluta incapacidade para poderem mudar de vida. Trata-se de, como afirma o próprio e os seus apoiantes – e como Nicola Sturgeon, do Partido Nacional Escocês, antes dele – “de um novo tipo de política”.

É certo, como realçou Jochen Buchsteiner no FAZ, o Partido Trabalhista liderado por Corbyn é o primeiro grande partido europeu (Volkspartei) a adoptar um posicionamento anti-austeridade e anti-elitista do mesmo tipo de partidos de ruptura/esquerda alternativa como o Syriza e o Podemos. Mas esta “nova largada radical” tem muitas ressalvas. Primeiro, para ter alguma influência na UE, Corbyn precisa do apoio, acima de tudo, dos colegas alemães e franceses do SPD e do PS e não há quaisquer indícios de que tal venha a acontecer. Pelo contrário, durante a crise grega o SPD mostrou ser mais austeritário que Schäuble e o PS (ironicamente) inclina-se cada vez mais penosamente para o blairismo, preferindo Emmanuel Macron a Arnaud Montebourg, o aliado natural de Corbyn.

Segundo, embora alguns analistas argumentem que o modelo económico neo-liberal está acabado e, como tal, os partidos centristas encontram-se agora desafiados tanto pela extrema-direita como pela extrema-esquerda, os partidos da esquerda anti-austeridade encontram-se em retrocesso. Após a sua capitulação à pressão brutal do Eurogrupo e à consequente divisão, o Syriza de Alexis Tsipras pode perder o seu ímpeto e ser eleitoralmente preterido em favor da “velha política” (Nova Democracia) no Domingo (20 de Setembro) ou na melhor das hipóteses ser forçado a integrar uma grande coligação. O Podemos começa a ficar atrás tanto do Partido Popular do governo de centro-direita como do PSOE do centro-esquerda nas eleições gerais de Dezembro em Espanha. Nos outros lados, principalmente nos países nórdicos e na França, são os partidos populistas da extrema-direita nacionalista que estão a crescer.

Terceiro, os posicionamentos de Corbyn dificilmente podem ser vistos como de uma “nova política”; em vez disso, é (tal como Gordon Brown) “um política analógico numa era digital” ou como o deputado trabalhista Jon Cruddas cruelmente apodou de “uma peça de tributo trotskista dos anos 80”. Na realidade, muitos dos posicionamentos políticos de Corbyn estão mais próximos de comunistas como Andrew Murray, líder do estado-maior do sindicato Unite e ex-líder da Coligação Contra a Guerra (na qual Corbyn ainda participa) e, a nível internacional, dos líderes políticos da Venezuela e de Cuba. O seu internacionalismo é anti-imperialista e, como tal, argumentam os seus detractores, emocionalmente anti-americano e pró-russo. Tem sido sistematicamente a favor dos sindicatos, principalmente os ligados ao sector público, e favorável ao gigantismo do Estado na segurança social, na educação, na saúde e assim por diante. Condena as privatizações e é favor das (re)nacionalizações. Muitas das suas medidas fiscais dependem da recuperação de uns supostos 120 mil milhões de libras retidos pelos magnatas e pelos exilados fiscais… O seu manual estratégico está enraizado nos anos 70 e 80. (Denis Macshane, ex-ministro para Europa de Blair, afirma que este [Corbyn] na Grécia seria do Syriza – e na França da Frente de Esquerda de Mélenchon).

Quarto, e extremamente importante à medida que se for aproximando o referendo britânico à continuação na UE em 2016 ou em 2017, o seu posicionamento é instintivamente eurocéptico (votou Não no plebiscito de 1975): considera “Bruxelas” como sendo a casa do neo-liberalismo e da protecção do Grande Capital e, embora tenha seguido muitos da esquerda britânica no período da Europa Social de Delors e se tenha mostrado mais entusiasta da UE, tal não demorou muito tempo. Ultimamente, tem moderado o seu eurocepticismo afirmando a possibilidade de trabalhar com outros aliados num plano reformista que beneficie os europeus comuns: “não podemos estar satisfeitos com o estado actual da UE. Mas tal não significa que lhe viremos costas, ficamos para combater juntos por uma Europa melhor.” Contudo, é mais provável que os seus verdadeiros sentimentos sejam estes: “encaremos isto da seguinte maneira: se permitirmos que forças incontáveis destruam uma economia como a da Grécia, quando o dinheiro do resgate vai todo não para o povo grego mas para os vários bancos europeus, creio que temos que pensar muito, mas muito bem, no papel que eles [a UE] estão a desempenhar e no papel que desempenhamos em tudo isto.”

Esta crítica do actual domínio do pensamento neo-liberal no seio da UE, principalmente na Zona Euro, é comum a muitas pessoas da esquerda europeia. As exigências para uma recuperação económica que tenha por base o investimento e o fim do ímpeto ideológico que leva ao corte da despesa com os gastos no combate à pobreza na Europa são certeiras. E tem também razão quando insiste que os trabalhistas não devem permitir que David Cameron dite (enquanto puder) o conteúdo e o ritmo da renegociação [da dívida] do Reino Unido – ainda menos que tende desmantelar muitas legislações laborais que dizem respeito, por exemplo, à carga horária da jornada de trabalho ou aos trabalhadores das agências [de trabalho temporário]. Mas dá-nos a impressão duradoura – compartilhada pelo seu novo delegado, Tom Watson – de que poderá levar o Partido Trabalhista a uma hostilidade renovada para com a UE ou, na melhor das hipóteses, a uma atitude abstencionista no referendo. A deriva britânica para o #Brexit pode acelerar sob a sua liderança uma vez que adopta soluções nacionais (o ‘Estado-Nação’) para resolver problemas que são pan-europeus – atitude não muito diferente da do UKIP ou da FN já que falamos nisso (ambos à cata dos votos da classe trabalhadora).

Para que Corbyn faça parte de um amplo movimento de reforma, ressocialização e democratização da UE terá que se unir com outros partidos social-democratas para reinventar o conceito da Europa Social; uma atitude isolada está condenada ao fracasso. A UE no seu estado actual – apesar de algumas mudanças na opinião pública – permanece completamente distante dos seus 500 milhões de cidadãos e incapaz de providenciar os empregos sustentáveis, o crescimento e a partilha de riqueza que há muito prometeu ou de modernizar a sua economia para que esta se ajuste ao século XXI. A adopção de políticas anti-austeridade por parte de Corbyn são bem-intencionadas mas estas têm que vir a par com reformas económicas e sociais mais profundas compartilhadas com os colegas do centro-esquerda, para que esse ponto de viragem na social-democracia europeia seja genuíno. Caso contrário, e principalmente se for levado a adoptar excisões internas, a sua arrebatadora vitória pode muito bem tornar-se noutra falsa alvorada, sendo os únicos vencedores reais a direita ultra-nacionalista. 

© SOCIAL EUROPE | Todos os direitos reservados, traduzido sob expressa autorização | David Gow é editor da Social Europe, editor do sceptical.scot e ex-correspondente na Alemanha e editor da secção de Negócios Europeus do jornal The Guardian.